A Itália
pede oficialmente ao Brasil para interrogar o ex-presidente Luis Inácio Lula da
Silva num caso envolvendo um empresário italiano e o ex-primeiro ministro
Silvio Berlusconi. Ele seria ouvido na condição de testemunha.
Fontes no
Ministério da Justiça da Itália confirmaram com exclusividade ao Estado que uma
carta rogatória já foi enviada para Brasília em setembro e, nela, o Ministério
Público italiano pede informações sobre a suposta relação entre Lula e Valter
Lavitola, o ex-número um de Berlusconi, operador de diversos dos negócios do
ex-chefe de governo italiano e que foi condenado por extorsão e cumpre prisão
em Nápoles. A carta também pede que Lula seja ouvido.
O
documento foi transmitido pelo Ministério da Justiça, em Roma. No Brasil, seria
o Ministério da Justiça que também receberia o pedido e tem a função de
encaminhá-lo para a Procuradoria-Geral da República. Por enquanto, o Brasil não
deu uma resposta se aceita a cooperação.
O pedido
de informação e para que Lula seja ouvido é baseado em uma carta datada de 13
dezembro de 2011 e endereçada por Lavitola a Berlusconi. Nela, o empresário
cita o ex-presidente Lula. Ele fala de uma concessão para a exploração de
madeira na Amazônia que teria adquirido.
Na carta
do empresário, Lula é citado como tendo atuado para favorecer o italiano em uma
disputa legal quando Lavítola teria vendido parte da concessão para uma segunda
empresa, de nacionalidade chinesa e que também não teve seu nome revelado.
"Ele (Lula) só conseguiu obter da direção da companhia compradora que, com
uma sentença (obviamente concordada) de uma Corte Arbitral, venha impor a eles
um acordo comigo", escreveu o italiano.
Lavitola
lamenta, porém, que, naquele momento, o ex-presidente brasileiro não estaria
mais ajudando. "O calor do processo judiciário está determinando um
compreensível, mas odioso, ostracismo em minha relação. Ninguém quer assinar
nada que tenha a ver comigo e infelizmente o presidente Lula (que se confirmou
como um verdadeiro amigo) já não conta quase nada", escreveu na carta
endereçada a Berlusconi.
Na
rogatória, as autoridades italianas pediram esclarecimentos sobre vários
aspectos, entre eles a relação que teria existido entre Lula e Lavitola, além
da influencia de Lula na negociação para a concessão do direito de exploração
de madeira na Amazônia. Um terceiro ponto solicitado se refere à suposta
atuação do ex-presidente para intervir em uma disputa entre a empresa do
italiano e compradores chineses.
As
autoridades italianas até hoje não conseguiram identificar qual seria essa
madeireira de Lavitola e esperam contar com as respostas de Lula para mapear os
negócios do italiano no Brasil. Em maio de 2014, quando a reportagem do Estado
revelou a carta entre Lavitola e Berlusconi, a assessoria do ex-presidente
disse, por meio do Instituto Lula, que ele nunca ouviu falar de Lavitola.
O
italiano morou no País e, em 2008, obteve um visto de residência. Documentos do
Banco Central vistos pelo Estado revelam, por exemplo, que Lavitola estava
registrado no órgão, chegou a ter importações financiadas e até mesmo um CPF.
O único
registro conhecido de madeireira ligado à Lavitola é a Maremma, uma holding que
tem sede oficial em Nova York. Mas seus escritórios ficam em Roma. Ela faz
parte do Bonaventura group llcc, empresa de Lavitola que centraliza todos seus
negócios e que, segundo a Justiça, chegou a acumular ativos de 5 bilhões de
euros no auge do poder de Lavitola.
Esse não
é o primeiro pedido de cooperação que a Itália faz ao Brasil. Em 2013 foi
mandada uma rogatória onde o Ministério Público italiano pedia informações
sobre Herodoto Campos, Neire Cássia Pepes Gomes e Danielle Aline Louzada,
suspeitos de serem laranjas para atuar em nome de Lavitola no Brasil. O
italiano passou parte das ações de sua empresa com sede em Nova York para essas
duas brasileiras.
A busca
por informações sobre Lula também nãl é nova pelos fiscais italianos. Em março
de 2014, o Ministério Público interrogou o ex-diretor de Marketing do Banco do
Brasil Henrique Pizzolato para tentar colher informações que pudessem auxiliar
uma investigação de indícios de corrupção envolvendo Valter Lavitola e
Berlusconi em negócios com empresas italianas no Brasil. Pizzolato, que foi
ouvido na prisão, não deu qualquer tipo de resposta quando foi questionado
sobre o assunto.
Origem
A
correspondência de 13 de dezembro de 2013 e que serve como ponto de partida
para a carta rogatória ao Brasil foi usada como base do processo que condenou
Lavitola à prisão por tentar extorquir Berlusconi em 5 milhões de euros. O
Ministério Público italiano está convencido de que Lavitola guarda
"importante segredos" em relação ao ex-primeiro-ministro.
O
documento que deu origem ao pedido para que Lula seja interrogado foi
encontrado nos computadores apreendidos de um outro suspeito de fazer parte de
esquemas de corrupção, o ítalo-argentino Carmelo Pintabona.
Na carta
de 20 páginas, escrita no Rio em 2011, Lavitola lista favores que já havia
prestado ao Berlusconi e cobra do ex-primeiro-ministro ajuda financeira.
Lavitola já estava sendo investigado e temia ser preso, como acabaria
acontecendo.
A
primeira cobrança é de que, se um dia saísse da prisão, Lavitola contaria com
Berlusconi para poder viver no Brasil. "É necessário que, quando eu sair
da prisão, que eu vá viver no Brasil", escreveu ao ex-premiê.
Versões
Depois de
ter admitido em uma primeira audiência nos tribunais italianos que a carta era
dele, Lavitola mudou sua versão em diversas oportunidades. Em 2012, ele
declarou que não chegou a mandar a carta a Berlusconi. Agora, seu advogado,
Antonio Cirilo, diz que a carta é falsa e que alguém do "serviço secreto
americano" a escreveu.
Pintabona,
em uma audiência no MP italiano, confirmou a veracidade da carta. No mesmo
interrogatório, Pintabona afirma que Lavitola foi quem o apresentou a
Berlusconi durante a viagem do ex-premiê ao Brasil. Lavitola é investigado por
ter promovido, naquela viagem, uma festa em São Paulo para Berlusconi com a
presença de prostitutas.
Valter
Lavitola foi acusado pela Justiça italiana de ter facilitado uma série de
esquemas financeiros comprometendo Berlusconi.
Apontado
como o operador de Berlusconi, Lavitola vivia no Rio de Janeiro em 2011, quando
fugiu para o Panamá depois de ser indiciado naquele mesmo ano na Itália. Mas se
entregou em 2012 e retornou para Roma. Ex-editor do jornal Avanti, Lavitola é
acusado de ter pago US$ 24 milhões em propinas às autoridades do Panamá para
que o governo centro-americano fechasse um acordo para a compra de radares e
outros equipamentos militares da gigante italiana Finmeccanica.
Lavitola
também foi acusado e condenado por extorsão contra Berlusconi, exigindo 5
milhões de euros por seu silêncio em relação às atividades do
ex-primeiro-ministro.
ESTADÃO
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